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Discussão Geral => Off-topic => Tópico iniciado por: SerraCabo em 10 de Junho de 2022, 16:36
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Por volta de 1976-77, estive com um grupo de malta na zona de Ferreira do Zêzere. A casa, da família de um primo meu, tinha um poço e uma bomba, havia água e, portanto electricidade. Tinha um TV que não funcionava.
Abri o TV (a válvulas) e dei uma vista de olhos pelos ‘locais habituais’ e deparei com uma resistência queimada junto da válvula PL504 (potência de varrimento horizontal e do gerador de alta tensão). A resistência ligava a alimentação (uns 300Vdc) à segunda grelha onde havia um condensador de desacoplamento. O condensador deveria estar em curto e a resistência queimou. Acontecia frequentemente.
A resistência tinha habitualmente entre 1800 e 2200 Ohm, Já não era possível saber-se o valor dela … nem o valor exacto era importante.
E então? … pergunta a malta.
Com uma tesoura cortei o condensador e comecei o hocus-pocus.
Arranjei um copo, um par de molas da roupa e um par de fios. Liguei os fios aos terminais da resistência queimada, descarnei (dantes dizia-se descasquei) uns 5cm nas outras pontas e prendi-as com as molas aos bordos interiores do copo, o mais possível afastadas. Enchi o copo de água e liguei o TV. Nada. Tinha som mas não tinha imagem.
Puxei do saleiro e de um garfo com cabo de plástico, fui deitando sal na água do copo e mexendo. A certa altura a imagem do TV começou a acordar, fui deitando até que se visse bastante bem. A falta do condensador provocava alguma distorção na geometria horizontal mas … azar. Já se podia ver TV.
E assim ficou uma semana. Aí pelo 4º dia a coisa começou a ir-se abaixo. A água estava verde (um sulfato de cobre qualquer) mas mais umas pitadas de sal resolveu a coisa.
Hoje, eu tenho uma casa a 50m dessa. Estava eu em casa dele a beber um café e ele diz-me que o esquentador não acende. O esquentador é exactamente igual ao meu, dos que tem um pequeno gerador no circuito de água e uma ignição automática.
Quando se abria a água um led piscava mas não havia faisca. Eu sabia que a cada piscadela deveria corresponder um estalo e respectiva faísca mas não havia nem estalo nem faisca.
Desmontei o circuito e procurei o transformador que gera a faisca. Estava à vista e comecei a olhar com cuidado para ver se alguma coisa por ali saltava à vista. Um dos terminais do transformador estava encostado a um montículo de solda no circuito impresso. Pareceu-me estar ligeiramente saliente e empurrei-o para ver o que acontecia … e ele deslocou-se. Estava há uns 20 anos apenas encostado e resolveu naquele dia deixar de fazer contacto.
Apenas tinha comigo as ferramentas básicas, sem ferro de soldar, mas tinha um pedaço de solda típica para estas coisas. O meu primo sugeriu que fossemos a uma loja qualquer comprar um ferro de soldar manhoso, mesmo que trabalhasse apenas uma vez. Mas eu resolvi voltar a armar-me aos cucos e ‘empreender mais uma façanha’. Fui à mala de ferramenta buscar um grifo, saquei num caixote uma cavilha, acendi o fogão … e o esquentador ficou a trabalhar.
Diverti-me que nem um nababo. Da primeira vez ainda havia umas miúdas para eventualmente impressionar, mas tive azar. Desta vez não havia propriamente miúdas.
(https://lusorobotica.com/index.php?action=dlattach;topic=9954.0;attach=4969)
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Ferro de soldar improvisado.ja usei algumas vezes. Costumo usar mais o clip com isqueiro, mas o teu é melhor!
Agora reparar uma TV com um copo de água salgada está demais! Muito engenhoso e gostava de ver a cara de quem encontrava esse cenário montado. É das que fica para a história!
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Boa tarde,
fantástico @SerraCabo, fantástico!
Mesmo muito bom!
A do copo de água com sal, para variar a "resistência do copo de água", está de facto genial! Já tinha visto pessoal a fazer resistências com as minas de lápis de vários tamanhos, a grafite misturada com argila, mas com copo de água e sal acho que nunca tinha visto.
hehehehehe
Cumprimentos e bom resto de domingo,
João
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top :D ;D
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Muito bom, obrigado por partilhares e por nos inspirares, ferramentas estão disponíveis à nossa volta e nem as vemos, falta engenho para saber ver o que nos rodeia e nos ajudar a resolver os problemas que temos em mãos.
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Aqui vai uma adenda à mesma história (anos 70).
A curta distância da casa onde estávamos havia outra, 4 paredes em pedra e terra empilhada, telhado interiormente a descoberto, uma cerca interior em madeira que serviria de quarto, a um canto um borralho (a lenha) onde se faria a comida, e uma “sanita” num barraco fora da casa. Era ampla, apesar de tudo. Suspeito que, em tempos ainda mais recuados, teria também servido de curral.
Nessa casa morava a D. Conceição, muito idosa. Pelas voltas da vida é a casa onde me encontro, já com ‘equipamento’ consentâneo aos hábitos do século passado.
Pois a D. Conceição topou que a TV estava a funcionar, subiu as escadas, olhou para o ecrã e disse:
- Não podem pôr as festas de Ferreira do Zêzere?
Uma das moças, atrapalhada, explicou-lhe que tal não era possível porque a TV dava apenas as imagens que eram transmitidas “pelos gajos da TV, lá em Lisboa”.
Ela olhou para a TV, para a Moça e, com ar de reprovação disse:
- Para que querem então vocês uma coisa que não serve para dar o que vocês querem?
Não suspeitámos que as palavras dela viriam, bastante mais tarde, a ter um significado muito para além do que parecia, ao ponto de, de vez em quando, ainda falarmos nisso.